Regulação da mídia: 'A Argentina fez, o Uruguai fez, não é impossível fazer no Brasil'

Escrito por: Anna Beatriz dos Anjos 
Fonte: Portal Fórum
'Nunca vai ter conjuntura boa, sempre vai ser difícil, mas vamos precisar em algum momento fazer o debate', diz Pedro Ekman, do Intervozes. Coletivo produz documentário sobre Lei de Meios aprovada na Argentina e traça um paralelo com o cenário brasileiro
"Sou absolutamente contrário à regulação da mídia, seja de conteúdo, seja de natureza econômica". Essa afirmação é do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que avisou que engavetará qualquer tentativa nesse sentido.

Se Cunha se recusa a discutir o tema, o Intervozes, na contramão, o destrincha por meio de um documentário (para ajudar a financiá-lo coletivamente, clique aqui). O coletivo foi até a Argentina para tentar compreender como se deu por lá o processo de criação da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, mais conhecida como Ley de Medios (ou Lei de Meios, em português), aprovada em 2009. A legislação é um importante instrumento no combate aos monopólios e oligopólios de mídia, reafirmando a comunicação como um direito humano.

"A Argentina já fez meio que uma reforma agrária do ar, restringindo a 24 o número de licenças de radiodifusão por grupo econômico – o grupo Clarín [um dos maiores da América Latina], por exemplo, tinha 280 licenças para operar em TV a cabo", explica Pedro Ekman, coordenador do Intervozes. "Essas licenças voltaram para o Estado e foram redistribuídas para outros setores, para que não ficasse tudo na mão de um único grupo e a pluralidade fosse ampliada."

No Brasil, a situação é semelhante ao que ocorria na Argentina antes da Lei de Meios: poucos veículos concentram o poder econômico e, consequentemente, dominam o mercado. Isso, por sua vez, implica numa cobertura jornalística homogênea, que sufoca discursos dissonantes e está longe de contemplar a diversidade regional, racial, de gênero, orientação sexual e classe social existente no país. Nesse cenário, as comunicações assumem um caráter mercadológico e se tornam fonte de lucro dos grandes "barões da mídia", preocupados unicamente em manter a rentabilidade de seus negócios.

"Hoje, você tem liberdade de expressão no Brasil? Tem, você pode dizer o que quiser, mas diz para a pessoa do seu lado, não atinge a sociedade inteira com o seu ponto de vista. Poucas pessoas conseguem fazer isso hoje. A gente precisa ampliar, tornar isso mais diverso e plural para que outros seguimentos sociais tenham condições de fazer o debate público com alcance social", coloca Ekman. Para ele, a regulamentação da mídia no Brasil é urgente e asseguraria o cumprimento de determinações já previstas pela Constituição Federal, como a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal e a impossibilidade de políticos serem proprietários de veículos de comunicação – premissas que não são respeitadas atualmente.

No entanto, segundo Ekman, a bandeira da democratização da mídia só ganharia força por aqui se fosse de fato encampada pelo governo federal, que embora a defenda, não toma medidas efetivas para que caminhe. "Foi assim na Argentina: os movimentos de comunicação, assim como no Brasil, discutiam há décadas a necessidade de se regular a mídia e se democratizar as comunicações. Isso só ganhou impulso concreto quando o governo falou: 'vamos debater essa assunto'", argumenta. "O governo federal [brasileiro], na sua trajetória dos últimos doze anos, na verdade diz que concorda, que realmente considera este [democratização da mídia] um tema importante, mas não se movimenta concretamente no sentido de colocar o debate sobre a mesa, de apresentá-lo para a sociedade de fato", critica.

Aí entra a importância de uma iniciativa como a da Intervozes, que pretende documentar as experiências de regulamentação das comunicações em outros países do mundo e fazer um paralelo direto entre nós e nossos vizinhos sul-americanos. "Precisamos produzir informação acessível sobre isso para grande parte da população, não apenas para os especialistas. As pessoas não podem ficar com a única versão dos meios de comunicação", aponta Ekman. "A Argentina fez, o Uruguai fez, não é impossível fazer no Brasil. Nunca vai ter conjuntura boa, sempre vai ser difícil, mas vamos precisar em algum momento fazer o debate."

Postagens mais visitadas deste blog

OPOSIÇÃO IMPEDE NOVA VOTAÇÃO DO PROJETO ESCOLA SEM PARTIDO

"IDEIAS DE GUEDES PARA PREVIDÊNCIA SÃO PIORES QUE AS DE TEMER", ALERTA ESPECIALISTA

MP QUE PRIVATIZA SETOR DE SANEAMENTO PODE SER VOTADA NESTA TERÇA NO CONGRESSO